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quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Depressão em crianças Uma reflexão sobre crescer em meio à violência


 Livro; Depressão em crianças
Uma reflexão sobre crescer em meio à violência

Joviana Quintes Avanci Renata Pires Pesce
Simone Gonçalves de Assis

Índice

PESQUISADORES
Simone G. Assis (coordenação) Joviana Quintes Avanci
Renata Pires Pesce
Raquel de Vasconcelos Carvalhaes de Oliveira Liana Furtado Ximenes
Gabriela Franco Dias Lira Vivian Araújo da Costa Thiago de Oliveira Pires Fabiana Braga Silva
Letícia Gastão Franco
Rosemary Emerich Pereira de Souza Nayala Buarque
Renata Mendonça Ferreira Queiti Batista Moreira Oliveira
CONSULTORIA TÉCNICO-CIENTÍFICA
Anna Tereza Soares de Moura Kathie Njaine
Lucia Abelha

APOIO TÉCNICO
Marcelo da Cunha Pereira Marcelo Silva da Motta Luciene Patrícia Câmara

APOIO À DOCUMENTAÇÃO E
NORMATIZAÇÃO DA BIBLIOGRAFIA
Fátima Cristina Lopes dos Santos.

Este texto é fruto de uma pesquisa financiada pelo Programa Estratégico de Apoio à Pesquisa em Saúde (PAPES IV), da Fundação Oswaldo Cruz. A pesquisa cujos dados são apresentados neste livro contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). É continuidade de um trabalho sobre problemas de comportamento desenvolvido pelo Centro Latino Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli com recursos iniciais do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/ CNPq. Contou ainda com bolsistas do Programa PIBIC (CNPq/Fiocruz) e do Programa de Técnicos/Tecnologistas (Fiocruz/Faperj).
Capa, projeto gráfico e editoração: Carlota Rios; Ilustrações: Marcelo Tibúrcio; Revisão: Mara Lúcia Pires Pesce.
Ficha catalográfica

Avanci, Joviana Quintes
Depressão em crianças / Joviana Quintes Avanci; Simone Gonçalves de Assis; Renata Pires Pesce. — Rio de Janeiro: FIOCRUZ/ENSP/CLAVES/CNPq, 2008.


1. Depressão. 2. Criança. 3. Violência. 4.Infância. I.Fundação Oswaldo Cruz. II. Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde “Jorge Careli”.
III. Assis, Simone. IV. Pesce, Renata. V. Título.


AGRADECIMENTOS
À Secretaria Municipal de Educação de São Gonçalo-RJ
Às mães, pais e outros responsáveis que contribuíram com seus depoimentos à origem do livro. Aos profissionais que participaram do grupo de recepção no Instituto Fernandes Figueira – IFF/ FIOCRUZ.
À Psiquiatra doutora Lúcia Abelha, que gentilmente leu o texto trazendo contribuições e compartilhando sua experiência.
6
Á pediatra Anna Tereza, também pela troca de experiênciencia e contribuição na leitura final do texto.

Apresentação

Qualquer pessoa vive momentos de tristeza em sua vida, inclusive as crianças. A vida é repleta desses momentos! O que queremos falar
com você neste livro não é sobre a tristeza momentânea de uma criança, mas sim da tristeza que se mantém por algum tempo, caracterizando o comportamento de uma criança - o transtorno depressivo.
O que caracteriza a depressão na infância? O que a precipita? De que forma a violência ocorrida nos lares e nas comunidades em que vivemos pode influenciar no surgimento desse transtorno em crianças? E como os profissionais que lidam com a população infantil podem prevenir, apoiar e intervir?
Este livro faz parte da série Violência e Saúde Mental Infanto- Juvenil e busca esclarecer algumas dessas questões, sensibilizando profissionais que lidam com crianças à melhor atuação neste problema. O nosso objetivo é informar e refletir com você sobre a magnitude do transtorno depressivo na infância e como se pode intervir de forma mais incisiva, impedindo que as dificuldades emocionais ou comportamentais perpetuem-se até a vida adulta.
Este livro nasceu após uma pesquisa com 500 crianças entre 6 e 13 anos de idade, sorteadas ao acaso em todas as escolas municipais de São Gonçalo – cidade vizinha ao município do Rio de Janeiro. Todas estavam matriculadas, no ano de 2005, na primeira série do ensino fundamental da rede de ensino pública. As mães, pais, tias e avós foram os adultos que nos contaram sobre as histórias de suas crianças e suas famílias. Naquele momento o nosso objetivo era conhecer como os problemas de comportamento se desenvolvem na infância. Procurávamos entender como as adversidades da vida,
por exemplo doenças, perdas, separações e violências podem contribuir para a ocorrência dos problemas mentais de crianças, que incluiu além da depressão, os transtornos de ansiedade e de conduta (temas abordados em outros livros da série).
Ao longo deste livro apresentamos informações sobre as crianças que apresentam sinais de transtorno depressivo. Essas crianças foram entrevistadas em dois anos consecutivos, mas a maior parte das informações aqui apresentadas refere-se ao primeiro ano da pesquisa (2005). De forma ilustrativa, apresentamos alguns desenhos das crianças com sintomas depressivos, representativos da forma como vêem suas famílias.
No encontro com os adultos responsáveis pelas crianças pesquisadas, procuramos saber como identificam o comportamento do filho e como as situações difíceis enfrentadas pelas crianças e suas famílias afetam a vida infantil. Para nossa surpresa, vimos que os sintomas depressivos na infância são mais comuns do que esperávamos. Pudemos também constatar o quanto esse “mal-estar” afeta a vida das crianças e das famílias. E como a experiência de eventos de vida difíceis pode contribuir para o surgimento desse transtorno.
No Brasil, os transtornos depressivos na infância ainda recebem pouca atenção dos profissionais que atendem diariamente crianças, dificultando o conhecimento e tratamento do problema. Também na área da pesquisa há pouco investimento. Por outro lado, temos visto na mídia uma série de matérias sobre a depressão em adultos e idosos, considerada um dos grandes males do século atual, com projeções que a colocam entre as primeiras causas de doença em anos futuros. Essa grave situação exige maior capacitação e atenção especializada do setor saúde e educação, especialmente, com vistas à interrupção dos sintomas depressivos nos anos iniciais da vida.
No cenário mundial o conhecimento sobre a depressão em crianças tem crescido muito. Por isso, procuramos apresentar neste livro um pouco do conhecimento teórico hoje existente sobre o tema e também o que adquirimos nesse trabalho com as crianças de São Gonçalo. De antemão, ao analisar os nossos dados das crianças de São Gonçalo, destacamos que não estamos “diagnosticando” crianças depressivas. Estamos falando de crianças com sintomas depressivos, aferidos por instrumentos de pesquisa aplicados aos seus responsáveis e professores. Falaremos mais sobre esse assunto, mas, desde já, sinalizamos as dificuldades inerentes ao diagnóstico em psiquiatria infantil, a presença freqüente de comorbidades com outros transtornos e as limitações metodológicas de uma pesquisa (com objetivos diferentes de um atendimento clínico, este sim habilitado para efetuar o diagnóstico de depressão).
A despeito dessas dificuldades e limitações, nosso objetivo com este livro é sensibilizar você e outros profissionais que lidam com crianças a estarem atentos para identificar e lidar com os sintomas depressivos de crianças, decorrentes, na maioria das vezes, de experiências de vida difíceis, com destaque para as violências. Pretendemos também falar que a depressão pode ser evitada. E aí a prevenção tem papel fundamental.
Damos também grande ênfase na importância do acolhimento, atendimento, acompanhamento e encaminhamento precoce da criança com sinal depressivo ou com o transtorno já instalado. Sem dúvida, uma atenção mais aguçada, incisiva e precoce pode evitar o agravamento e a reincidência da depressão. Cada profissional que lida com crianças pode representar proteção e atuar como promotor de saúde, podendo, desta forma, dar uma nova direção à vida de milhares de crianças.
Por mais atentos que sejamos, nós - profissionais de saúde, assistência social ou educação que lidam diariamente com crianças – dificilmente conseguiremos eliminar toda a extensão do sofrimento que acomete muitas crianças. Mas, esperamos que, ao destacar a importância do problema, possamos nos instrumentalizar para ajudá- las, reduzindo a dor de algumas crianças e apoiando-as a lidar com as dificuldades da vida.

  CAPÍTULO 1

Transtornos depressivos em crianças

Para ela voltar ao normal, só a base de carinho. Eu sempre falei: quem essa criança puxou com esse jeito assim? [...] Ela chora, quando começa, só Deus! Fica ali chorando. Mas sempre tem um motivo. Por coisinhas, nem que sejam pequenas.”
Clara nunca conheceu seu pai”de sangue” e acha que seu padrasto é o seu pai biológico: “quando tinha 4 anos eu falei para ela a verdade. Mostrei até quem era seu pai para ela, porque ele mora no mesmo local aqui. Ela falou: Meu pai é esse que eu moro. [...] Por ela ser carinhosa, ela ia sofrer se eu falasse agora, entendeu? Mas, agora por ela já estar sabendo ler, ela chegou para mim e perguntou porque a irmã não tinha o mesmo sobrenome dela. Eu falei: Minha filha, porque seu pai ainda não te registrou. [...] Eu não gostei de falar isso. Queria falar a verdade, mas eu não sei a reação dela. Quando Clara era bebê, sua mãe procurou manter o contato com a família do pai da menina, mas depois preferiu se afastar “a avó não tratava Clara como se fosse neta. Desprezo mesmo.” Então, a mãe decidiu cuidar de Clara sozinha. Como a avó materna precisava trabalhar, várias pessoas cuidaram de Clara quando era pequena, ocorrendo algumas situações de negligência e violências.
“Tinha outra moça que eu desconfiava que ela batia em Clara. Um dia eu cheguei lá, uma criança estava gritando. A criança falava: Me tira daqui! A criança estava trancada num quarto, aquilo me despertou. Outras pessoas falaram que a moça estava fazendo judiação com as crianças. Eu sempre dava bala, doce. Aí, uma vez Clara me contou que a moça falou para ela: Se você não me der esse doce, eu vou te trancar no quarto e vou te deixar aqui de castigo. Ela andava com medo.”
Sobre a forma que repreende algum comportamento mais arredio da filha, a mãe de Clara comenta que bate, às vezes, e também coloca de castigo “Mas, nunca bati nela de correia.
Bater com a mão mesmo porque a gente tem que repreender nossos filhos, senão eles é que batem na gente.”
Na escola, Clara é bastante tímida e gosta de brincar sozinha. Quando Clara tinha 7 anos, seu tio materno, que gostava muito, faleceu por acidente de moto. Só depois de quase um ano é que contaram a verdade sobre essa morte para Clara “Depois que isso aconteceu ela andou mijando na cama. [...] Essa semana que passou eu peguei ela chorando, mas ela disfarçou [...] Aí ela foi e falou: eu estou chorando, porque eu estou me lembrando do meu tio. Aí eu falei: Quando você sentir vontade de falar dele, você fala. Se quiser chorar perto de mim, eu vou deixar, eu não vou brigar com você. Então, a Clara não está bem por causa disso. Porque tem um ano e meio. Aí eu perguntei: Você fica sempre triste por causa disso? Ela disse que sim. Nem tudo ela fala, ás vezes ela fica muda.
A mãe se preocupa bastante com o comportamento da filha “Sempre que eu vejo ela assim num canto, eu chego, falo: Filha, o que está acontecendo? Por quê você está assim? Você está triste? Muitas vezes ela não fala. Sempre ela me enganou. [...] Às vezes ela fica com umas manias, de ficar piscando. Eu fico querendo ajudar, às vezes fico triste porque eu não sei o que está acontecendo. Na verdade a Clara tinha que ter ido ao psicólogo, só que isso deve ser caro”
Relato da mãe de Clara, 8 anos, com sintomas depressivos e queixas
somáticas. Desenho da família feito por Clara

Ao contrário da crença popular, os transtornos mentais e comportamentais são comuns na infância, muitos deles inclusive podem se iniciar nos primeiros anos de vida, a exemplo da depressão.
Em todo o mundo cerca de 10% a 20% das crianças apresentam pelo menos um problema mental (OMS, 2001). A grande dificuldade do diagnóstico nessa fase do desenvolvimento é identificar o tênue limiar entre o comportamento que faz parte do desenvolvimento e aquele que é patológico, isso é, que continuamente compromete o funcionamento da criança na família, escola e sociedade.
Em 2001, o Diretor Geral de Saúde dos Estados Unidos afirmou que o país estaria passando por uma crise na saúde mental dos lactantes, das crianças e dos adolescentes. Afirmou que embora um em cada dez jovens sofresse doença mental suficientemente grave para causar certo nível de prejuízo, menos de um em cinco recebia tratamento adequado. A situação é ainda mais precária em regiões do mundo em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, em que há precariedade nas políticas direcionadas à saúde mental infantil (OMS, 2001).

Saúde Mental
Abrange o bem-estar subjetivo, a auto-eficácia percebida, a autonomia, a competência, a dependência intergeracional e a auto-realização do potencial intelectual e emocional da pessoa. É mais do que a ausência de transtornos mentais e está indissociavelmente ligado ao funcionamento físico, social e aos resultados na saúde (OMS, 2001).

No espectro dos transtornos mentais da infância, estudamos a depressão como um tipo de problema de comportamento internalizante, onde os sintomas estão interiorizados na criança. Neste grupo de problemas internalizantes, outros transtornos também são característicos como os de ansiedade e a queixa somática.

Transtornos depressivos
É um transtorno afetivo, caracterizado fundamentalmente pelo humor deprimido ou pela perda de prazer, persistentes por semanas. Inclui também pensamentos depressivos como pessimismo com relação ao futuro ou ideações suicidas, e sintomas biológicos como acordar muito cedo, ter apetite reduzido e perda de peso. Em crianças, a irritabilidade pode substituir o humor deprimido, e outros sintomas também são relevantes como as queixas somáticas e o retraimento social (Harrington, 2002; DSM-IV-TR; CID-10).

Desde o início dos estudos sobre depressão nas crianças, houve uma grande preocupação quanto ao seu diagnóstico. Era questionado se a depressão infantil se expressava da mesma forma que se apresentava nos adultos.

Um pouco da história do conceito da depressão Apenas a partir do século XX as síndromes depressivas começaram a receber atenção da psiquiatria, com o estudo das conseqüências comportamentais da privação sensorial ou social de crianças institucionalizadas e separadas de suas mães (Winnicott, 1945; Scott, 1948; Spitz, 1979). O alerta era para o risco desses eventos trazerem conseqüências para o futuro da criança, e voltavam-se à criança bem pequena.
Termos como “depressão anaclítica”, “depressão mascarada” e “equivalentes depressivos” foram utilizados para referir-se ao quadro depressivo onde a sintomatologia depressiva propriamente dita não era manifestada, mas mascarada pelas queixas somáticas, pelo comportamento delinqüente, pela fobia escolar e pelas dificuldades de aprendizagem (Toolan, 1962; Glaser, 1967). Mas, essa idéia era insatisfatória e controversa.
Nessa época, a psicanálise influenciava as teorias do desenvolvimento infantil. O enfoque era na melancolia. E essa supremacia dos conceitos psicanalíticos retardou o não reconhecimento da depressão na infância como entidade clínica.

Até a década de 1960, os estudos eram teóricos (Ajuriaguerra & Marcelli, 1991). Diferenças entre o transtorno depressivo na criança e no adolescente e do adulto começaram a ser estabelecidas.
Foi somente a partir dos anos 1970 que os estudos depressivos na infância e adolescência começaram a ser valorizados como problemática psiquiátrica, com ênfase na fenomenologia e no diagnóstico (Frommer, 1968; Poznanski & Zrull, 1970). O advento de novos medicamentos psicofarmacológicos e a polêmica teórica incentivaram o melhor reconhecimento dos quadros depressivos nessa época da vida (Annell apud Brasil, 1996).
Nesse período, o famoso psicólogo John Bowlby teve particular importância, pois trouxe à tona discussões relevantes sobre a aliança entre abordagens biológicas e comportamentais. Para ele, os processos biológicos eram influenciados por fatores ambientais, como o cuidado e o afeto com os filhos, a boa socialização e as experiências educacionais. Ao mesmo tempo, diferenças individuais no temperamento e na personalidade das crianças não eram sempre originadas pela forma de educar.
Foi na década de 1980 que o DSM-III (Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, terceira revisão) introduziu oficialmente critérios diagnósticos para a depressão em crianças e adolescentes. Na categoria dos transtornos depressivos, o quadro da criança, do adolescente e do adulto foi considerado semelhante, não havendo praticamente distinção na semiologia descritiva nas diferentes faixas etárias (Brasil, 1996).
Vários autores questionaram essa similaridade, insistindo que a experiência e a expressão da depressão na criança e no adolescente dependem do nível de desenvolvimento cognitivo e afetivo (Weinberg et al., 1973; Malmquist, 1977). Também criticaram a fixação em determinado número de itens para o diagnóstico do transtorno (Harrington, 1993; Angulo, 1990).
Nos anos 1980, o conhecimento da biologia, psicologia, sociologia e do estudo do desenvolvimento humano

Na tentativa de demarcar as diferenças através das fases do desenvolvimento, Toolan (apud Brasil, 1996) aponta diferentes sintomas pelos quais o transtorno pode se apresentar ao longo da infância e da adolescência:
na criança bem pequena a ênfase seria dada aos distúrbios do sono e alimentação, cólica, choro, balanço de cabeça;
na criança mais crescida o isolamento, apatia e comportamento regredido estariam mais presentes;
nas crianças mais velhas os problemas de comportamento começariam a substituir os sentimentos depressivos, como os acessos de raiva, desobediência, vadiagem, fuga de casa, tendência a acidentes, agressividade, comportamento provocativo e autopunitivo.
A mudança do quadro clínico através das idades é decorrente do princípio genético do desenvolvimento da personalidade, dos mecanismos psicodinâmicos e das reações psicológicas diferenciadas, que o evento traumático real ou imaginário envolve.
Na criança o corpo pode compensar sua capacidade de elaboração mental, ainda em desenvolvimento (Golse & Messersimitt, 1983). Desse modo, parece haver uma transformação progressiva da sintomatologia depressiva à medida que aumenta a capacidade de verbalização. Quanto mais se aproxima da adolescência, mais o quadro clínico se assemelha ao do adulto.

Notas sobre o desenvolvimento afetivo
Aflição, excitação e choro são as emoções primárias do ser humano. É através da identificação facial, da maturação do sistema nervoso central e das experiências de vida que a criança vai se desenvolvendo emocionalmente (Cytryn & Mcknew, 1996). Palavras como riso e choro são compreendidas antes de alegria e tristeza, indicando que os processos emocionais externos são mais fáceis de dominar do que os internos (Honkavaara, 1961). Por volta dos 6 anos a criança já aprendeu sobre os princípios básicos das reações emocionais. No curso do desenvolvimento afetivo, a aprovação dos outros se torna um guia (Goodyer, 2001).
Para a criança desenvolver-se bem emocionalmente ela precisa receber respostas e informações emocionais claras e não-confusas e aprender a ignorar sinais emocionais inadequados à situação ou ao momento. Também o entendimento da mistura entre as emoções parece decisivo. Uma das maiores dificuldades de crianças com problemas parece ser a incapacidade em compreender o conflito de sentimentos, que impacta várias áreas de sua vida (Meerum Terwogt, 1990).

Apesar da discussão diagnóstica e conceitual, o enfoque oficializado e utilizado atualmente está presente no Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (quarta revisão) - DSM-IV-TR (American Psychiatric Association, 1990; 2000). O diagnóstico da depressão é estabelecido para os diferentes períodos etários, com poucas modificações para a criança pequena. Apresentamos abaixo esses critérios para o episódio depressivo maior, em que cinco ou mais dos sintomas devem estar presentes na maior parte do dia, por um período de no mínimo duas semanas:
humor deprimido ou irritável;
diminuição de interesse ou prazer nas atividades diárias;
alteração de peso ou apetite;

Lucas, 10 anos, identificado com sintomas depressivos.

insônia ou aumento de sono;
agitação ou retardo psicomotor;
fadiga ou perda de energia;
sentimentos de desvalia ou culpa excessiva;
diminuição da capacidade de pensar e se concentrar; e
idéias recorrentes de morte e suicídio.
Para o diagnóstico clínico, um dos dois primeiros sintomas deve estar presente. Os sintomas devem causar sofrimento significativo ou prejuízo no funcionamento social ou afetivo, não-decorrentes de efeitos psicológicos diretos de drogas ou outras doenças clínicas, nem de uma reação de luto pela perda recente de uma pessoa importante.
A classificação psiquiátrica moderna tem caracterizado a síndrome depressiva em vários transtornos: depressão maior, distimia, depressão menor, reação de ajustamento com humor depressivo, personalidade depressiva, entre outros. Destes, os mais estudados têm sido a depressão maior e a distimia, que não diferem tanto entre si pela sintomatologia, mas sim pela gravidade e persistência dos sintomas.

A distimia é um estado crônico de depressão, caracterizado pela presença de sintomas depressivos em menor intensidade do que a depressão maior e por um período não inferior a um ano (em crianças e adolescentes). A depressão maior é composta por episódios depressivos mais graves por um período menor, podendo ser recorrente.
Na adolescência, Sukiennik e Salle (2002) apontam a reação de ajustamento com humor depressivo como um tipo de transtorno depressivo comum. Trata-se do aparecimento de sintomas depressivos, em resposta a um estressor identificável ocorrido no máximo há três meses antes do aparecimento do sintoma (American Psychiatric Association, 2000). Adolescentes estariam mais suscetíveis aos estressores, em função da maior instabilidade afetiva decorrente do desenvolvimento, com maiores flutuações na auto-estima e com tendência à impulsividade. Além disso, sofrem perdas significativas em sua trajetória para a vida adulta, tais como a perda do corpo infantil, dos pais idealizados e da identidade.
Na adolescência, em particular, a depressão muitas vezes é vista como uma característica normal do desenvolvimento, o que torna especialmente problemático estabelecer os limites do transtorno depressivo. Os jovens tendem a ter com freqüência sentimentos de tristeza profundos e acentuadas oscilações de humor, enquanto que as crianças pequenas têm dificuldade para descrever como estão se sentindo. É apenas na adolescência que as características psicológicas podem ser descritas regularmente (Harrington, 2002). Estudos psicanalíticos argumentam que, em função de uma menor capacidade do ego para suportar as oscilações de seus estados de humor e de auto-estima, os jovens tornam-se mais propensos a crises depressivas agudas.

Diferenças entre a depressão na infância e na adolescência.
Em comparação à depressão na adolescência, aquela ocorrida na infância tem: menor probabilidade de reincidir na vida adulta, mais comorbidades com outros transtornos, menor prevalência, tendência à preponderância masculina,

Para estudarmos o transtorno depressivo nas crianças de São Gonçalo/RJ, utilizamos um instrumento epidemiológico utilizado em vários países do mundo - a CBCL (Child Behavior Checklist); cuja escala de retraimento/depressão foi empregada para avaliar a depressão (Achenbach & Rescorla, 2001). Nesta escala, os seguintes sintomas depressivos foram avaliados: existir poucas coisas que dão prazer à criança; ter preferência por ficar sozinho; recusar-se a falar; ser reservado, fechado, não contar suas coisas para ninguém; ser tímido; pouco ativo; movimentar-se vagarosamente ou faltar-lhe energia; ser infeliz, triste ou deprimido; e ser retraído, não se relacionando com os outros. A CBCL permite identificar crianças com problemas depressivos em nível clínico, quando os sintomas são associados e freqüentes, com prejuízo severo à vida das crianças; em nível limítrofe, quando os sintomas são menos freqüentes e/ou ocorrem mais isoladamente; e em nível não-clínico, quando os sintomas não estão presentes ou são inexpressivos.
Constatamos na amostra estudada que 10,4% das crianças de São Gonçalo apresentam sintomas depressivos a nível clínico ou limítrofe, necessitando de atenção especial da família, da escola e dos profissionais de saúde (gráfico 1). Os resultados da amostra de alunos investigados nessa pesquisa estão expandidos para o universo de todas as crianças entre 6 e 13 anos matriculadas na rede de ensino pública municipal.
Falaremos neste livro sobre a vida dessas crianças. No entanto, é importante perceber que quase 7% delas apresentam expressivos sintomas depressivos, enquanto que o restante (3,5%) revela sinais limítrofes de depressão, que, se cuidados, podem desaparecer, mas, caso mantenham-se, podem evoluir para um tipo de depressão mais grave no futuro, com prejuízo severo no funcionamento social e necessitando de intervenção imediata.
Queremos deixar claro que não estamos fazendo diagnósticos de transtornos depressivos e sim reconhecendo sintomas que merecem ser acompanhados por profissionais especializados que atuam com crianças.

Em diferentes partes do mundo, estima-se que a prevalência da depressão na infância, em sua forma clínica, esteja entre 0,4% a 2,5%, e na adolescência entre 0,4% a 8,3% (Birmaher et al., 1996). Mas, quando diferentes tipos de depressão são incluídos, a estimativa chega a aproximadamente 10% em crianças e 20% em adolescentes (Lewinsohn et al., 1998).
É unânime o reconhecimento de que a depressão em crianças é pouco diagnosticada. Chama pouca atenção dos pais e professores, sendo, muitas vezes, considerada um comportamento “normal”, que não incomoda a família e a escola, pelo fato da criança ser mais quieta.
Praticamente não há diferença da ocorrência da depressão infantil segundo o sexo, havendo uma leve preponderância masculina. Já na adolescência, a predominância nas meninas é maior. Essas diferenças decorrem da mudança ocasionada pela puberdade, o que inclui as mudanças hormonais, cognitivas, sociais e a vivência diferenciada de eventos estressantes, afetando diferentemente, a menina e o menino (Goodyer, 2002). Antes da adolescência, características da personalidade podem tornar as meninas até mais vulneráveis, mas tais características não são suficientes antes das experiências biológicas e sociais da adolescência (Harrington, 2002).
Nas crianças de São Gonçalo não encontramos diferenças do transtorno depressivo entre as meninas e os meninos. Já num outro trabalho que desenvolvemos no mesmo município com adolescentes

escolares, observamos que as do sexo feminino têm mais que o dobro de chance de apresentar o quadro depressivo (Avanci et al, 2008).
No gráfico 2 apresentamos a expressiva freqüência dos sintomas isolados de depressão estudados nas crianças de São Gonçalo/RJ. Como se pode notar no gráfico 2, isoladamente alguns sintomas se mostram muito comuns, como é o caso do comportamento tímido; e de ser reservado, fechado e não contar suas coisas para ninguém. Ser retraído e não se relacionar com os outros é um comportamento menos comum nas crianças, mas também relativamente presente (10%). Podemos constatar a elevada proporção de crianças, assim como os adultos, que convivem com sintomas depressivos em suas vidas.

A tristeza de Rosa
Rosa é uma criança triste, muito preocupada com a família, meiga e calmíssima “tudo entristece ela. Ela é estranha [...] Se não tiver um biscoito pra ela vir pro colégio, ela fica triste; se ela não tiver um real pra trazer para o colega, ela já fica triste. Ela é assim, se preocupa com as coisas, se preocupa com o colégio, se preocupa com dentro de casa. Assim, hoje, se tiver um ovo pra comer em casa, ela já fica triste, ela adora comer com carne, se tiver uma festinha na igreja e se não tiver um dinheiro pra lanchar, ela fica triste, isso tudo entristece ela, ela é uma pessoa assim.”

Está com 11 anos e cursa a primeira série do ensino fundamental. Nasceu com 2.100 kg e, quando foi gerada, sua mãe tentou abortá-la tomando remédios: “aí eu vi que não tinha mais jeito de tirá-la, eu deixei... Ela nasceu magrinha, só mamava no peito, não comia nada, só queria ficar no colo, nem água ela bebia. Ela chegou a ficar umbiguda porque ela chorava muito, porque ela tinha fome de peito, não tinha fome de comida”.

Rosa mamou até dois anos e meio, quando a mãe ficou novamente grávida. Aos 6 anos, seus pais se separaram. Ficou morando com o pai e, mais tarde, foi morar com a mãe. Na época teve pneumonia e ficou internada. Não gosta de se relacionar com os familiares maternos, pois esses consomem bebida alcoólica, “ela fica até deprimida assim quando eu estou num lugar que tem bebida, ela não gosta, tem medo de ter confusão, fica assustada”. Para não freqüentar a casa da avó, inventa que quer dormir e que está com dor de cabeça.
Rosa freqüenta muito a igreja e sente muita falta do pai, a quem a mãe responsabiliza pelo comportamento da filha.
Relato da mãe de Rosa, 11 anos, identificada com sintomas depressivos. Desenho da família feito por Rosa.

O prejuízo psicossocial aumenta em relação direta ao número de sintomas depressivos. São muitos os problemas que podem ocorrer mais tarde e que estão associados à depressão e ao desajustamento. Problemas maritais, abuso de álcool, suicídio e transtorno de conduta estão entre os problemas mais comuns (Harrington et al., 1991). É bastante aceita a relação existente entre morbidade, mortalidade e comprometimento funcional nos pacientes deprimidos.
O suicídio é uma das conseqüências mais graves da depressão. É oito vezes mais presente em pacientes deprimidos do que na população em geral. E a prevalência de tentativas de suicídio tem chamado a atenção, podendo chegar a 15% na adolescência (Low & Andrews, 1990).

Dentro de sala, ele não fica quieto, ele não presta atenção, tem dificuldade na escrita, ele fala de forma errada. Ele está na segunda série se arrastando. Eu tenho medo de mais tarde ele não se relacionar bem com ninguém, trazer problemas até na vida profissional dele.
Relato da mãe de João, 8 anos de idade, identificado com sintomas
depressivos e queixas somáticas.

A gravidade do problema decorre também da alta probabilidade de recorrência, seja através do reaparecimento mais tarde do transtorno ou de outros problemas psiquiátricos. Kovacs et al. (1984) constataram que cerca de 70% dos pacientes infantis tiveram outro episódio dentro de 5 anos. Harrington et al. (1990), acompanhando crianças e adolescentes deprimidos, constatou que um grupo deprimido tinha uma probabilidade quatro vezes maior de ter um novo episódio depressivo após os 17 anos de idade do que um grupo de controle.

A comorbidade com outros transtornos

É muito comum que outros problemas emocionais e comportamentais estejam presentes nas crianças com sintomas depressivos. Até porque muitos dos sintomas que são partes do transtorno depressivo são também de outros transtornos (Harrington, 2002). Essa co-ocorrência é chamada de comorbidade. Os estudos indicam que entre 20% e 50% das crianças depressivas possuem outros dois ou mais transtornos psiquiátricos. Dentre as comorbidades mais comuns estão o transtorno de conduta ou desafiador-opositivo e o de ansiedade. Menos presente, são os problemas na atenção e hiperatividade, os de aprendizagem, de abuso de substância e a anorexia nervosa (Harrington, 2005). É certo que crianças e adolescentes com mais comorbidades tendem a sofrer mais dificuldades psicossociais (Harrington, 2002).

Entre as crianças com sintomas depressivos de São Gonçalo, identificamos que 74% delas tinham algum outro tipo de problema associado, especialmente as queixas somáticas, como enjôos, dores de estômago e de cabeça. Mas, em muitas crianças uma variedade de problemas também esteve junto com os sintomas de depressão, com destaque para a ansiedade, os problemas de conduta e de atenção, em diferentes combinações com o transtorno depressivo. É muito importante identificar se existe ou não a comorbidade com outros transtornos, pois isto direciona o atendimento, o encaminhamento e o tratamento da criança.
Sobre a comorbidade com o transtorno de conduta, alguns autores explicam que esse problema pode efetivamente causar depressão. Crianças com problemas de conduta agem de forma a viver mais eventos traumáticos e a persistirem na exposição aos mesmos fatores de risco (Zoccolillo, 1992; Fergusson et al., 1996).

Já na comorbidade com os transtornos de ansiedade é mais vista como precedente à depressão (Kovacs et al., 1989; Merikangas et al., 1996) ou decorrente de um mesmo tipo de temperamento e de similar vulnerabilidade genética (Eley & Stevenson, 1999).

Na comorbidade com os problemas da atenção, a própria dificuldade de concentração da criança pode ser fruto de transtorno depressivo, associado à baixa percepção acadêmica e ao rebaixamento da auto-estima da criança depressiva, afetando o desinteresse e sua capacidade de atenção.
Quando se conjugam mais de duas formas de problemas de comportamento a situação costuma ficar ainda mais difícil para a criança e sua família.

A comorbidade não é apenas uma marca da severidade dos transtornos. Reflete principalmente a complexa relação entre a sobreposição dos transtornos e entre os que ocorrem num pequeno ou relativamente grande intervalo do tempo. Precisamos aprender a reconhecer os variados sintomas nas crianças com quem lidamos, para melhor ajudá-las a superar suas dificuldades.

   CAPÍTULO 2

Gatilhos que podem levar à depressão.
Violências e outras vulnerabilidades

É uma criança “triste”, que brinca sozinha e não gosta de estar com ninguém perto dele. Sua mãe justifica a tristeza de Bernardo à separação dos pais: “todo mundo percebe que ele mudou depois da separação, antes ele era uma criança mais alegre. Ao conversar com ele você percebe uma tristeza nele”.
Desde a separação dos pais, “o pai não dá atenção e isso afetou muito a vida dele. Um dia ele sentou na mesa e falou: mãe, meu maior sonho, minha maior alegria é se meu pai voltasse para casa ou que ele me desse atenção. […] Ele é um pai ausente, não é um pai que está sempre com ele. Ele só comparece no tempo de dar dinheiro da pensão.”
Em função da separação dos pais, a condição de vida de Bernardo também ficou bastante prejudicada: “hoje eu moro na casa de minha irmã, eu não tenho aquele conforto que eu tinha antes.” Todos percebem a tristeza de Bernardo: “Você sente a tristeza nele. Até as professoras falaram: Ele é muito triste, sabe? […] Tem uma vizinha que fala: Esse meu netinho é muito triste! Às vezes abraça dá, carinho a ele, mas eu acho ele muito diferente das outras crianças do quintal. Às vezes, você chega ele está sentado assim do lado de fora, aí eu pergunto: Está tudo bem?
Você está sentindo alguma coisa?”
Na escola Bernardo já repetiu de série duas vezes e está com muita dificuldade de escrever e ler “Eu compro umas revistinhas de historinha bíblica, mas ele nem pega, e bota dentro do armário. Meu maior sonho é ver ele lendo porque a gente vê criança com menos idade dele lendo.”
Como forma de educar Bernardo, sua mãe o coloca de castigo “Demoro muito a bater. Eu vou juntando, depois sai de baixo. Aí, eu pego a sandália e bato nele. Porque aí eu já estou vendo que ele está passando dos limites.”
Bernardo também testemunhou algumas situações de violência em seu bairro: “há um tempo atrás, houve um acidente, aí eu senti que ele ficou meio abalado com aquilo. Depois teve um assalto próximo a minha casa. Mas o acidente foi uma coisa que marcou muito a vida dele. Ele sonhou ainda com aquilo. Ficou nervoso, preocupado. Até hoje ele fala do assalto.”

A mãe de Bernardo comenta sobre a tristeza e a limitação que sente ao ver a dificuldade de seu filho: “aquilo que eu posso dar ele eu dou, mas eu vivo numa dificuldade muito grande. […] Até hoje eu me pergunto por que ele é assim? Na medida do possível, o que eu posso fazer para dar carinho, atenção, educação a gente faz. Eu já procurei aqui psicólogo, mas é muito difícil! Agora eu levei a médica e eu estou aguardando para setembro, que talvez vai ter neurologista no hospital geral.
Relato da mãe de Bernardo, 11 anos, com sintomas depressivos, queixas somáticas e problemas de atenção. 

Estes casos ilustram o que queremos apresentar neste capítulo: o cenário dos fatores que podem levar ou funcionar como “gatilhos” ao surgimento de sintomas depressivos em crianças, como as depreciações, rejeições, depressão materna, doenças, separações e perda precoce de pessoa significativa. Liz, pela identificação com sua mãe, pode ter introjetado em seu comportamento formas depressivas de reagir e sentir as emoções. Sua mãe também pode ter transmitido vulnerabilidades genéticas que fizeram com que ambas sucumbissem diante de situações difíceis. Além disso, a depressão vivida pela mãe de Liz e a dificuldade pela mãe de Bernardo podem tê-las impossibilitado de exercer o cuidado necessário aos seus filhos, deixando-os mais vulneráveis.
Assim como ocorre com a maior parte das crianças e adolescentes, Bernardo e Liz demonstram em sua história de vida, fatores ambientais, psicológicos e biológicos que, quando presentes, aumentam a chance da depressão ocorrer. Whybrow (1997) explica que a combinação de estressores biológicos e ambientais altera o sistema nervoso central e afeta sistemas neurológicos associados ao estímulo, ao temperamento, à motivação e às funções psicomotoras. Desta forma, estressores emocionais podem iniciar um ciclo biologicamente predisposto à depressão. Ciclos negativos de interação são iniciados: a depressão causa problemas com o meio, e este, por sua vez, leva à piora do quadro clínico.
Embora apresentemos a seguir vários fatores de risco que podem causar depressão de forma isolada, na vida cotidiana os fatores de risco para depressão se combinam e se relacionam dinamicamente com os fatores protetores (aqueles que minimizam e mediam a força dos riscos).

Genética e biologia

A área da genética tem se desenvolvido muito nos últimos anos. Hoje, já se sabe que a hereditariedade ocupa posição importante no surgimento dos transtornos depressivos de adolescentes (Rutter, 2006). Na infância, as influências familiares prevalecem como influências mais diretas (Harrington, 1993). Filhos de pais deprimidos apresentam uma probabilidade maior de desenvolver quadro depressivo e outros problemas psiquiátricos do que filhos de pais não-deprimidos (Wickramaratne & Weissman, 1998; Weissman et al., 1997).
Os efeitos genéticos tendem a agir indiretamente através de múltiplos mecanismos, aumentando, por exemplo, a vulnerabilidade a vivenciar eventos de vida adversos (Silberg et al., 2001).

Algumas teorias biológicas propõem que a depressão seria causada por alterações dos sistemas aminérgicos cerebrais e por desequilíbrios de neurotransmissores e cortisol (Yalayan et al apud Harrington, 2005).

Depressão materna ou do cuidador

A depressão materna ou de outro cuidador é um dos fatores que mais impactam o surgimento da depressão em crianças. Se um dos pais tem um transtorno depressivo, o risco de um filho vir a ter é de cerca de 28%; se ambos os pais têm, o risco é duas ou três vezes maior (Jamison, 1996). Essa transmissão é entendida não apenas pela via hereditária, mas, principalmente, pelo efeito da depressão dos pais na atmosfera familiar e no cuidado com a criança. Pais deprimidos têm dificuldade em educar seus filhos e demonstrar amor. Tendem à prática educacional inconsistente, a relacionamento marital conturbado e a serem hostis com a criança. Além de disso, costumam abusar de drogas (Goodman & Gotlib, 1999).
Famílias de crianças e adolescentes deprimidos parecem desenvolver um padrão de interação familiar denominado constelação depressiva (Agras apud Brasil, 1996). Alguns estudos comentam também sobre a existência, no mesmo e em um curto período do tempo, da depressão materna e da depressão nos filhos (Hammen et al., 1991).
Entre as mães das crianças de São Gonçalo observamos sérios sinais de sofrimento psíquico, bem mais presentes entre as que têm filhos com sintomas depressivos (gráfico 3). Esse dado revela o quão importante é atender a criança e sua família, especialmente as mães, para se entender sobre o estado de saúde mental da criança.

A situação das mães das crianças entrevistadas em São Gonçalo chama atenção pela gravidade da situação, expressa, por exemplo, na presença de ideações suicidas em 23,3% das mães de crianças com sinais depressivos em contraponto a 5,7% nas demais mães. Comparadas às genitoras das crianças que não apresentam sintomas depressivos, as mães das crianças com esses sintomas sentem-se: mais cansadas, tristes, tensas, sem interesse pelas coisas, com sentimento de inutilidade, com dificuldade em tomar decisões, de pensar claramente, com tremores nas mãos. Assustam-se também com mais facilidade.
O profissional de saúde que lida com as crianças precisa estar atento aos seus cuidadores e, quando necessário acessar serviços de apoio para eles. Também é muito importante ser sensível e acolher as suas dores e seu sofrimento. Conversar e apoiar esses pais nos serviços de saúde, oferecer educação e assistência social pode ajudá- los a se sentirem mais fortes frente a tantas demandas que têm que lidar no dia-a-dia.

A história de apego inseguro da mãe para com o filho bebê tem sido indicada como mecanismo para a transmissão intergeracional da depressão. É mais presente entre mães deprimidas. É nas primeiras relações da criança com seu cuidador que aspectos importantes do desenvolvimento começam a ser formados. Neste processo o modelo afetivo e interno de mundo é construído, ao lado da regulação emocional, da resolução de problemas e da percepção de si.
É o papel do cuidador, a interação social e o tipo de rotina estabelecido nos primeiros anos de vida que irão formar na criança o controle das emoções. Mesmo em crianças escolares, os pais precisam continuar a oferecer uma base segura através da qual o adolescente poderá explorar o mundo que o cerca (Bowlby, 1988).

A depressão materna pode despertar na criança um sentimento de desamparo, abandono, rejeição e desamor. Essa experiência na infância e as circunstâncias do acontecimento adverso experimentado recentemente pela criança influenciam muito o surgimento da depressão em qualquer fase da vida (Bowlby, 1998).

Cássia, 9 anos, identificada com sintomas depressivos, de ansiedade e problemas com a atenção/hiperatividade.

Relações familiares e separação dos pais
O tipo de relacionamento familiar também ocupa posição de destaque na predisposição da depressão na infância. O relacionamento ruim com a mãe (muito protetora, controladora ou negligente), a convivência em famílias separadas por conflitos e desarmonias e problemas maritais estão entre os aspectos que podem deixar as famílias em desvantagem para dar amor e cuidado a suas crianças, propiciando o surgimento do transtorno depressivo (Turk et al, 2006).

Mas, essa relação é bidirecional. Crianças e adolescentes com problemas emocionais também podem agir como estressores para os pais, potencializando ainda mais as dificuldades relacionais (Rutter, 1997).
Nas crianças de São Gonçalo com sintomas depressivos notamos que o relacionamento familiar da criança com pai, mãe e irmãos é mais referido como regular ou ruim, em comparação ao mencionado nas famílias das crianças sem problemas de saúde mental, mais sinalizado como bom. Observamos também que falta muito apoio à família de crianças com sintomas depressivos. Seus responsáveis informam duas vezes mais a ausência de familiares e amigos com quem podem contar e receber apoio quando precisam, do que as famílias das crianças sem esses problemas.

O distanciamento ou a falta do pai na família e na vida da criança foi o fator que mais se destacou na fala das mães entrevistadas de São Gonçalo, como explicação para os sintomas depressivos de seus filhos. Crianças que têm um relacionamento ruim ou regular com o pai têm duas vezes mais chance de desenvolver depressão do que aquelas que dizem ter uma boa relação paterna.

Ela não era muito chegada ao pai, praticamente desde que nasceu. Talvez seja porque o pai nunca deu atenção, nunca deu carinho. Eu acho que ela é realmente rejeitada pelo pai. Então, é por isso que ela é uma criança oprimida. Ela é uma criança que fica muito no cantinho dela. Porque ela fica muito triste [...] Eu acho que isso tudo é provocado por esse afastamento do pai. Pelo pai nunca estar presente, nunca procurar... Realmente, pelo pai dar atenção só ao irmão e não para ela. Então eu acho que é por esse motivo que ela é assim.
Relato da mãe de Beatriz, 8 anos de idade, identificada com sintomas
depressivos e de ansiedade.

Ela quer ter contato com o pai, ver ele, mas ele não tem tempo pra ela. Eu acho que a tristeza dela é mais isso. Ela fala: “ah! Meu pai nunca tem tempo pra mim”.
Relato da mãe de Rosa, 11 anos, identificada com sintomas
depressivos

Ele tem dificuldade de se relacionar com o pai. Não tem contato, de pai conversar com filho, dar carinho, isso ele não tem. Isso ele deve sentir. Eu acho que o que mais mexe com ele é o pai dele ser afastado. Eu acho que ele tem até medo de chegar perto do pai, porque o pai dele não dá nem espaço para ele se chegar, entendeu?
Relato da mãe de Lucas, 11 anos, com sintomas depressivos, queixas somáticas e problemas com a atenção/hiperatividade.

Muitas vezes, essa falta de contato e afeto com o pai está atrelada à separação dos pais, momento que pode trazer muito estresse para a criança, podendo ser vivida como perda - do pai ou da mãe que sai de casa, e da família, que precisa lidar com um novo arranjo familiar. Esse momento pode trazer benefícios para a criança se as brigas diminuírem, e se há um ambiente estável e favorável emocional e afetivamente à criança. Famílias conflituosas, permeadas pela rejeição e hostilidade são mais prejudiciais à criança do que uma família estável, em que os pais estão separados.

Em geral, as crianças costumam sofrer durante as brigas e a separação do casal. Uma boa conversa com ela e seu responsável pode ajudar muito. É bom atentar para a existência de sintomas depressivos ao lidar com crianças que estão passando por essas experiências. Refletir com os pais sobre a importância de conviverem com a criança, mesmo após a saída de casa, é muito importante, esclarecendo que isso contribui muito ao desenvolvimento da criança.
Após a separação dos pais, muitas famílias se reorganizam com a chegada de um novo membro, o padrasto e/ou a madrasta. Essa é mais uma nova situação para a criança e precisa ser vista com atenção, já que as crianças comumente sonham em viver em uma família com pai e mãe juntos. Além disso, muitas crianças que têm os pais separados alimentam em si a fantasia de que eles voltarão a morar juntos. A chegada do padrasto ou madrasta pode desmoronar esse desejo e causar muito sofrimento para a criança.
A dificuldade dessa relação aumenta quando o padrasto ou a madrasta tem dificuldade em se relacionar com filhos de outras relações do parceiro, bem como pelos conflitos que podem se exacerbar quando filhos de diferentes casamentos começam a viver juntos. Entre as crianças de São Gonçalo verificamos que aquelas que vivem em famílias formadas por padrasto ou madrasta têm duas vezes mais chance de apresentarem sintomas depressivos, se comparadas as que vivem em outras formas de configuração familiar.

Profissionais que lidam com crianças precisam informar aos pais sobre a importância de serem sensíveis às demandas da criança. Ouvir a criança, sem impor que aceite o padrasto e a madrasta de antemão é muito adequado. Também é preciso esclarecer que essa nova relação poderá se dar, para a criança, de modo gradual, exigindo muito carinho e atenção. Às vezes, é importante informar à família que o lugar do pai ou da mãe ausente não será ocupado por esse novo membro familiar. Mesmo assim, poderá ter um lugar especial na vida da criança. Apenas uma relação afetuosa e sincera estabelecida entre o padrasto/madrasta e a criança será capaz de ajudá-la a superar as dificuldades.
Algumas vezes, também é importante que o profissional apóie o pai ou a mãe, que está de fora dessa relação, a ajudar seu filho a superar essa situação em sua vida. É útil informar que insultos e acusações contra a família reconstituída são muito prejudiciais à superação desse difícil momento na vida da criança. É a rede de fatores relacionados à separação dos pais que tem o poder de impactar o desenvolvimento dos transtornos depressivos em crianças. Essa informação precisa ser vista com atenção pelos profissionais que lidam com crianças, face ao grande número de famílias brasileiras reconstituídas.

Ela é filha do meu primeiro casamento. Então, eu moro com um rapaz que é padrasto dela. Aí, às vezes eu me pergunto: será que é por causa disso? Porque quando eu morei com ele, ela era bem pequenininha. Nem chegou a ter contato muito com o pai. Ele mora com uma pessoa bem longe [...]. Esse meu marido é assim, uma pessoa meio dura com as crianças. Às vezes, quando o meu marido briga com ela, ela fica assim: “ah! meu pai não ia me bater. Também não ia botar de castigo”.
Relato da mãe de Suzana, 8 anos, com sintomas depressivos.
Desenho da família feito por Suzana

Pobreza, problemas de saúde e mortes na família

Condições econômicas adversas, doenças e mortes entre familiares se destacam nas famílias das crianças com sintomas de depressão de São Gonçalo (gráfico 4). Refletindo a precária condição de vida do município e de grande parte do país, a dificuldade econômica é a que mais se destaca nas famílias, com diferença significativa entre as crianças com e sem sintomas depressivos (67,7% e 44,2%, respectivamente). Mas, mesmos nos outros problemas enfrentados pelas famílias, as das crianças deprimidas enfrentaram mais adversidades de mortes e doenças entre os familiares, o que pode contribuir para fragilizar suas famílias e elas próprias.

Gráfico 4: Sintomas de retraimento/depressão e problemas financeiros, de saúde, mortes. CBCL
(N=6.392)
Já recebeu alguma notícia muito ruim  41,8% inesperada, do tipo morte, doença grave de alguém querido. Já soube que ela ou alguém de sua família estava sob risco de vida. Teve algum parente próximo que morreu
17,4%
10,6%
29,6%
40,00
52,7%

Ocorreu morte de pai, mãe ou irmão
6,3%
1,5%

Algum familiar já teve problemas médicos sérios, como doenças ou acidentes

33,6%
52,9%

Na família existem ou existiram problemas financeiros sérios

44,2%
67,7%

Normal Limítrofe\Clínica

A relação entre pobreza e saúde mental é bastante complexa e controversa. É certo que viver em condições sócio-econômica difíceis facilita a ocorrência de outras adversidades, aumentando a vulnerabilidade da criança e sua família. Privação social, desvantagem educacional e desemprego estão praticamente juntos com a pobreza. Em relação à depressão, a falta de apoio social decorrente da pobreza também pode afetar a sua ocorrência, persistência e agravo. Mas, essa relação precisa ser vista com atenção. Mesmo nos resultados das crianças de São Gonçalo, encontramos divergências na relação entre pobreza e sintomas depressivos. Quando abordamos sobre a pobreza através do reduzido acúmulo de bens e da baixa escolaridade dos pais, constatamos que o transtorno depressivo infantil não está mais presente nas famílias de estratos populares. No entanto, essa relação é evidenciada quando o responsável é indagado sobre os sérios problemas financeiros vividos pela família. Esse achado chama atenção para aspectos subjetivos decorrentes da vivência de situações sócio-econômicas difíceis como, por exemplo, a pressão vivida pela família e pela criança que passa por dificuldades, mesmo que não sejam pertencentes às camadas mais pobres da população.
Os problemas de saúde na família também trazem muito sofrimento para a criança e sua família. Dependendo da forma que os familiares lidam com o problema, da gravidade da doença, do tempo que dura e das conseqüências emocionais e financeiras que acarreta na família, eleva-se o grau de vulnerabilidade da criança.
Para as crianças o sofrimento pode ser ainda maior e costumam ficar mais sensibilizadas quando vivenciam a dor das pessoas que amam. Orientá-las e informá-las sobre o processo desencadeado pela doença pode fortalecer sua coragem para enfrentar esse momento difícil. É preciso que a própria família tenha coragem e sensibilidade para ser sincera com a criança, respeitando seu nível intelectual, cognitivo e emocional. Reconhecer também quando a criança ou um familiar está profundamente abalado com a situação, acolher suas dores, aceitar suas fraquezas e apontar caminhos de superação é bastante positivo.

A morte de uma pessoa querida pode provocar depressão em uma criança e influenciar na gravidade do desenvolvimento do transtorno. É uma situação difícil para uma criança, especialmente se envolver pais ou cuidadores. Pode deixar a criança mais vulnerável emocionalmente e com dificuldade para lidar com outras adversidades. No caso de perdas parentais, é fundamental que outro cuidador continue atuando na vida da criança, para que esse evento seja menos prejudicial e superado mais facilmente.
Nestes momentos, o profissional que lida com crianças precisa estar atento sobre o contexto afetivo da família. Os efeitos da morte de alguém especial dependem muito da qualidade do relacionamento que a criança tinha com a pessoa que morreu, como e quando a revelação da morte é feita, como o entorno da criança reage e como esperam que a criança reaja (Bowlby, 1998; Assis et al., 2006). Dar a criança informações exatas e sinceras, demonstrando empatia e apoio é uma postura das mais eficazes.

A convivência com violências na família

Agressões entre os pais, abuso físico, emocional e sexual contra a criança, e outras formas de violência vividas por ela são outros eventos difíceis, bastante impactantes na ocorrência da depressão infantil. Costumam ocorrer associadas aos eventos descritos anteriormente, aumentando a possibilidade de resultarem em efeitos emocionais sobre a criança.
Conviver com violências traz prejuízos ao desenvolvimento humano, a curto e longo prazo. Hoje em dia, se reconhece que a criança ou o adolescente que sofre uma forma de violência tem maior risco de vivenciar diferentes episódios violentos, o que é chamado de “ciclo da violência” (Avanci et al, 2008; Finkelhor et al., 2007). A existência desse ciclo na vida de crianças é muito danosa.
Também o prognóstico da depressão pode ser mais afetado pelas convivência com a violência. Crianças hospitalizadas com sintomas depressivos que retornam à família com altos índices de crítica e discórdia têm resultados muito piores do que aquelas que retornam a ambientes mais harmoniosos (Harrington, 2005).
As famílias e os profissionais que lidam com crianças precisam estar atentos em buscar meios para auxiliar a romper essas vivências da vida das crianças.

As conseqüências da violência na criança diferenciam-se segundo:
a natureza do ato violento (freqüência, intensidade e duração);
as características individuais da criança;
o tipo de relação entre criança e o autor do ato violento e os fatores relacionados à situação.
Em geral, situações de violência não ocorrem isoladas de outras adversidades.

São muitas as formas de violência que afetam o dia-a-dia das crianças; em casa, na escola e na vida da comunidade. Independente do local, sofrer violência nessa época da vida torna mais difícil a superação dos entraves do próprio desenvolvimento.
A violência psicológica é uma das formas mais prejudiciais à formação da criança e a que mais influi na ocorrência da depressão infantil. Humilhações, depreciações, discriminações e desrespeito são algumas dessas formas de violência infantil. Quase sempre envolve hostilidade, rejeição, crítica severa e geral ao comportamento e aparência da criança (Turk et al, 2006). Apesar de muito freqüente, é pouco percebida pelos profissionais que lidam com crianças e pela sociedade de forma geral. No gráfico 5 podemos ver que as crianças com sintomas depressivos são mais vítimas dessa forma de violência do que as sem esse problema emocional.

Na verdade, notamos que as crianças com sintomas depressivos de São Gonçalo foram cinco vezes mais humilhadas, sempre ou quase sempre, por pessoas significativas; três vezes mais criticadas, sempre ou quase sempre, por pessoas significativas; quatro vezes mais chamadas de nomes desagradáveis como doida ou idiota, sempre ou quase sempre, por pessoas significativas.

Rejeições e humilhações na vida das crianças deprimidas
Minha mãe [avó da criança] ela gosta, só que ela é uma pessoa muito ignorante, aquelas pessoas antigas, então ela na sabe demonstrar carinho. Ela briga o tempo inteiro, aquele jeito grosso, rude de falar com as pessoas. Ela xinga, briga e fala: Maluca, retardada!
Relato mãe de Cássia, 9 anos, identificada com sintomas depressivos,
de ansiedade e problemas de atenção.

Às vezes, tem fim de semana, que ele [pai] vem pegar o meu filho para passar o final de semana com ele. [...] Ele só vem pegar o meu filho. Então, ela [criança] fala: É realmente o meu pai não me ama, não gosta de mim, só gosta do meu irmão [...]. Ela também chega em casa contando que têm crianças [da escola] que implicam [sobre a cegueira da criança] e a professora não toma nenhuma atitude. Ela se sente inferior às outras crianças. Então ela não quer vir para a escola de jeito nenhum. Ela se sente humilhada na escola. No outro dia, ela falou: Eu queria que Deus desse a cegueira para todas as crianças da minha escola, porque aí eles iam sentir na pele o que eu sinto, por eu ser assim!
Relato da mãe de Beatriz, 8 anos de idade, identificada com
sintomas depressivos e de ansiedade.

Dentre as violências familiares, a rejeição parental parece contribuir mais à depressão do que a punição corporal (Lefkowitz & Tesiny, 1984).
No gráfico 6 notamos como a violência física ocorrida entre os familiares e com a criança está mais presente na vida das com sintomas depressivos, em comparação as crianças que não desenvolveram esses sintomas (gráfico 6). Na infância, a violência dos pais contra ela, especialmente da mãe, é muito comum, pois é uma forma distorcida e cultural de educação familiar. Observamos que a violência materna, até pela maior ocorrência e presença da mãe na vida da criança, impacta mais no desenvolvimento do transtorno depressivo do que a violência cometida pelo pai. Independente da autoria da violência é uma forma de comunicação presente em todas as classes sociais.

A violência entre os pais das crianças, apesar de ser um tema menos estudado do que a violência dirigida diretamente sobre a criança, mostrou ser fonte de preocupação quando se visa a saúde mental infantil: a violência cometida pelo pai contra a mãe é quase três vezes mais freqüente entre as crianças com sintomas depressivos do que as que não relatam essa violência entre seus pais.

Ajuda muito se o profissional que lida com crianças estiver atento às práticas disciplinares utilizadas pela família e ao tipo de relacionamento existente entre o casal, pois sintomas depressivos podem estar associados a essas experiências. Ter capacidade de negociação, empatia, sensibilidade e respeito às crianças e às famílias são competências que precisam ser investidas nos atendimentos. Ao invés de induzir culpa, os profissionais precisam ver as famílias como parceiras e co-construtoras da relação nos atendimentos (Assis, 2007).
O reconhecimento da família como parceira é muito importante, pois ela ocupa posição estratégica, podendo, proteger ou expor a criança a mais episódios violentos (Osofsky et al., 1993; Garbarino & Sherman, 1980). Mesmo para a criança vitimada pela violência, é bom que o profissional fortaleça a família. Assim estará facilitando o bem estar da criança e proporcionando um contexto mais favorável para lidar com o impacto da violência que vive ou testemunha. As redes de proteção também precisam ser acionadas.
A violência entre irmãos é outra forma comum de comunicação, presente em 61,6% das famílias de crianças com sintomas depressivos em São Gonçalo. Considerada de forma isolada, impacta menos a ocorrência do transtorno depressivo do que as outras violências que envolvem os pais.
A violência sexual é outra gravíssima situação que ocorre na vida de algumas crianças. Envolve a participação de um agressor em estágio mais avançado de desenvolvimento psicológico e sexual que a criança vítima de violência. Pode ser praticada através de estimulação direta da criança ou a utilizando para obter gratificação sexual, seja ela imposta pela força ou pela sedução. Nem sempre é acompanhada pelo contato corporal, ocorrendo atos violentos como exibição de partes íntimas para a criança, sexualizando-a precocemente, pornografia infantil e prostituição. É mais grave quando envolve figuras de afeto e autoridade como pais, irmãos ou outros familiares. A literatura informa que a violência sexual é outra forma de violência presente na vida de criança depressivas (Kandell-Tackett, Williams, Finkelhor, 1993; Molnar, Buka, Kessler, 2001).
Profissionais de saúde ou educação podem ajudar às crianças e familiares em situação de violência na família se os orientarem sobre outros métodos educativos, que não a violência. Muitas famílias desconhecem os efeitos de humilhações, rejeições ou agressões à criança. Esses profissionais também têm importante função social ao acionar a rede social de apoio para esta criança e sua família.
Sabemos que muitos profissionais e serviços têm dificuldades no atendimento a casos de violência. Apesar das limitações estruturais e pessoais, o profissional deve ter em mente que ocupa uma posição importante de proteção na vida da criança. Aprofundar o conhecimento sobre o tema e dividir suas dúvidas com outros colegas quanto ao melhor atendimento da criança e sua família são estratégias que necessitam ser tomadas muitas vezes pelos profissionais.

Violências na escola e comunidade

A escola deveria ser o local de defesa da criança e do adolescente, de reflexões sobre as dificuldades e o potencial da vida em sociedade. No entanto, tem se tornado palco de diferentes formas de violência contra essa população. A violência na escola não se limita apenas às condições do próprio sistema educacional brasileiro, mas também a atos violentos aprendidos nos lares e nas comunidades e reproduzidos na escola. Roubos, tapas, beliscões, empurrões, ameaças e calúnias entre os alunos são comuns, e também presentes nas relações entre professores e alunos. A violência na escola prejudica a criança, destruindo a confiança na instituição – naturalmente reconhecida como fonte de proteção.
No gráfico 7 notamos que os sintomas depressivos são mais freqüentes entre as crianças que passaram por violências ocorridas na escola e na comunidade. O medo, a insegurança e a ameaça de viver e estudar em local de risco pode deixar a criança ainda mais vulnerável a episódios depressivos. Entre testemunhar e ser diretamente vitimizado por roubo, o último se destaca consideravelmente nas crianças com sintomas depressivos, em relação as crianças que não apresentam esses sintomas.

Profissionais que lidam com crianças precisam perceber que as violências vividas na escola e na comunidade podem estimular o surgimento de sintomas depressivos nos alunos. É importante quando o profissional escuta com atenção o que as crianças falam, sentem e pensam. Quando necessário, o profissional aliado à sua instituição, deve encaminhar a criança para uma instituição mais especializada ou protetora. Pensar em interações com o Programa Saúde na Família ou com serviços de saúde escolar são fontes de ajuda para apoiar as crianças e famílias com quadro de grande gravidade.

Aspectos psicológicos da criança

Deixamos mais para o final deste capítulo para falarmos dos aspectos psicológicos da criança como fatores importantes para o desenvolvimento dos sintomas depressivos pela sua importância para o entendimento de como todos os eventos apresentados anteriormente podem ser processados diferentemente, de acordo com os atributos emocionais de cada criança.
Os modelos psicológicos de risco mais influentes à depressão em crianças explicam que não são simplesmente as adversidades vividas por elas que predizem a depressão, mas também a forma como percebem e processam esses eventos.
Crianças e adolescentes deprimidos tendem a baixa auto-estima, deficiência na autonomia e distorções cognitivas, selecionando mais as características negativas da situação que vivem (Kendall et al., 1990; Hammen et al., 1991). Costumam atribuir a causa dos eventos positivos que acontecem em suas vidas mais a fatores externos instáveis do que a si mesmas (Cole & Turner, 1993). Culpam mais a si do que os outros pelos eventos negativos que vivenciam e que, muitas vezes, estão fora de seu controle. E, habitualmente se percebem com baixo desempenho na escola e com dificuldade na competência social.
A percepção mais negativa de si facilita com que novos episódios aconteçam (Cole et al., 1997). Essa forma de processamento da informação tende a se normalizar quando a depressão termina (Dalgleish et al., 1998).
Ainda não se sabe ao certo se essas distorções são causa ou conseqüência do transtorno depressivo, ou se decorrem da vivência de eventos de vida estressantes (Harrington et al., 1998).

Crianças com maior sensibilidade ou mais inibidas, seja em função da carga genética, ambiental ou da combinação de ambas, são mais prováveis de desenvolver a depressão do que aquelas com características mais externalizadas (Sigurdsson et al., 1999; Goodyer et al., 1993).

Eventos de vida adversos, fatores protetores e depressão infantil

As crianças vivenciam várias formas de adversidades ao mesmo tempo e não da forma esquemática como apresentamos neste capítulo. Isso implica na necessidade de um olhar mais abrangente sobre o contexto em que vive cada criança e mais individualizado (visando a especificidade de cada um), a ser buscado pelos profissionais e instituições responsáveis pelo cuidado de crianças e adolescentes.
Quanto maior for a combinação dos eventos difíceis ocorridos na vida de uma criança, maior parece ser o risco à depressão e à sua severidade. Beardslee et al. (1996) examinaram fatores de risco isolados e combinados à depressão. Indicam que o risco à depressão é de cerca de 7% a 18% na presença de um fator de risco, chegando a 50% quando três fatores estão juntos. Muito freqüentemente, um evento causa ou aumenta a vulnerabilidade do outro ocorrer (Goodyer, 1990).
Dentre todas as adversidades vividas por uma criança, a negligência e a privação de afeto são muito danosas, porque podem vulnerabilizá-la até a vida adulta. Humilhações e opiniões desagradáveis dos familiares, professores e amigos também se destacam nas crianças mais velhas (Turk et al, 2006).
Eventos isolados, como a morte do pai ou um assalto, descontextualizados do que aconteceu antes, e principalmente, do que aconteceu depois, parecem influenciar pouco na ocorrência de depressão (Harrington & Harrinson, 1999). O mais importante é o significado da situação adversa para a criança ou adolescente. Nesse tópico o timing do evento na vida da criança é importante, pois as experiências são sentidas diferentemente, dependendo do momento de vida. Também é fundamental a forma como a família lida com a situação e o grau de formação e funcionamento neural, que é afetado nas situações de estresse (Rutter, 1989; Lipp, 1999).
A despeito da compreensão da importância dos eventos adversos para o surgimento da depressão, que vimos abordando ao longo deste capítulo, é grande a variação da resposta à adversidade, já que a maior parte das crianças se depara com eventos de vida adversos e não desenvolve problemas depressivos nem qualquer sinal de problema psiquiátrico.
Fatores protetores impediriam ou reduziriam o desenvolvimento destes transtornos, mesmo na presença do fator de risco. Características individuais e do ambiente e o tipo de relacionamento com as pessoas têm sido considerados como fatores protetores importantes. Por exemplo, para uma criança que convive com o conflito entre os pais, características de seu temperamento e/ou o estabelecimento de um bom relacionamento com pessoas fora de casa pode protegê-la de desenvolver um quadro psicopatológico (Turk et al, 2006).
No transtorno depressivo, quanto mais apoio emocional e logístico a família receber de outras pessoas, menor a probabilidade da criança ou adolescente desenvolver o problema ou do quadro persistir. Neste sentido, cada profissional pode funcionar como apoio para as crianças e suas famílias.
Vale a pena investirmos – profissionais e instituições sociais como escolas, postos de saúde, hospitais, abrigos - no sentido de reforçar os fatores protetores, visando a prevenção de problemas de saúde mental em crianças. É claro que, ao mesmo tempo, precisamos cuidar dos fatores de risco que atingem crianças. Apesar da constatação de que crianças vivem adversidades sem necessariamente terem problemas de depressão, a literatura científica mostra que poucas crianças e adolescentes deprimidos não vivenciaram um evento adverso antecedente ao episódio depressivo (Goodyer et al., 1993).

  CAPÍTULO 3

Prevenindo e Atendendo Crianças com Transtornos Depressivos

Neste capítulo apresentamos um panorama de como um profissional que atende crianças, seja ele pediatra, enfermeiro, assistente social, psicólogo, professor ou qualquer outro, pode ajudar crianças a não desenvolverem transtorno depressivo e a intervir com mais segurança sobre aquelas com sinais de depressão ou já com o quadro estabelecido. Muito se estuda sobre o assunto no mundo, mas há, ainda, muitas incertezas e dúvidas, que vamos apresentar a seguir.

A prevenção é melhor que a cura

É certo que é melhor impedir que uma doença se instale do que mover esforços para combatê-la. Em psiquiatria da infância, essa prerrogativa se faz ainda mais importante já que, na maior parte dos países, há uma quantidade ineficiente de serviços especializados para atender a demanda. Para se ter uma idéia da tamanha deficiência, estima-se que existam aproximadamente apenas 300 psiquiatras infantis no Brasil (Fleitich-Bilyk & Goodman, 2004). Nos EUA, enquanto 300 novos psiquiatras da infância e adolescência se formam por ano (depois de três anos de especialização), aqui apenas 31 são formados (com apenas um ano de formação especializada) (Abujadi et al, 2007).

Fortes argumentos para a prevenção psicossocial da depressão infantil
Precariedade e reduzido número de serviços especializados;
Muitas crianças não respondem ao tratamento disponível;
Somente uma minoria das crianças procura atendimento.

Tradicionalmente, a prevenção pode ser trabalhada em diferentes níveis. No nível primário, quando a intervenção impede que a depressão ocorra, se dando, principalmente através de intervenções políticas e sociais; no secundário, quando a ação visa identificar o problema prevenindo sua extensão e duração; e no terciário quando o trabalho é evitar as complicações do transtorno na vida da criança. Quando pensamos na prevenção dos transtornos depressivos e da psiquiatria de forma geral, o foco é prevenir a dificuldade do funcionamento psicosocial da criança e o seu ‘distress’, que podemos traduzir como incômodo, mal-estar ou aflição.

Tipos de programas preventivos universais, que atendem a toda a população infantil, podendo incluir suas famílias, independente de seu nível de risco. É bastante adequado em escolas e comunidades. Esses programas incluem tentativas de mudar diretamente os níveis de depressão ou esforços para desenvolver potenciais que possam oferecer proteção contra a mesma. Geralmente consistem em sessões educacionais e em técnicas cognitivo- comportamentais, em especial técnicas para desenvolver habilidades sociais. dirigidos, que cobrem apenas a população sob risco de desenvolver depressão. Mas, é preciso ter muito cuidado para não rotular as crianças como “problemáticas” de antemão. Os fatores de risco melhor estabelecidos para o transtorno depressivo na infância são sintomas depressivos e história familiar de depressão. As intervenções familiares podem envolver um programa educacional sobre a depressão combinado a elementos que têm como alvo alguns dos problemas que são comuns em famílias com um dos pais deprimidos (por exemplo, comunicação familiar deficiente). Mesmo sendo focado num nível de prevenção mais avançado, sob uma população com sinais mais claros de sintomas depressivos, essa intervenção não é ‘tardia’. É bastante adequada, pois tem o potencial de interromper que o transtorno se desenvolva para um grau de severidade maior.
(Harrington , 2005)

De forma muito geral, há duas formas básicas de fazer prevenção da depressão ou de qualquer outro transtorno em psiquiatria: reduzindo o risco e a vulnerabilidade ou aumentando o potencial da proteção e a resiliência da criança e família. Por exemplo, um profissional, observando sinais depressivos de uma criança e a convivência conturbada entre seus pais, pode tentar acessar uma pessoa próxima à criança e de fora da casa para atuar como proteção a essa situação. Um relacionamento extra-familiar ou com outro parente poderá minimizar o efeito do relacionamento familiar ruim na vida da criança, impedindo que a depressão se estabeleça.

Resiliência
Pode ser entendido como um processo dinâmico que envolve a interação entre processos sociais e intrapsíquicos de risco e proteção. Enfatiza a relação entre eventos adversos de vida e fatores de proteção internos e externos ao indivíduo, que levam necessariamente a criança a uma reconstrução singular diante do sofrimento causado por uma adversidade. De forma muito geral, seria a capacidade do ser humano de superar as adversidades da vida.
(Assis, Pesce & Avanci, 2006)

Sob o enfoque do risco, a melhor estratégia de prevenção deveria alcançar vários fatores de risco simultaneamente. Para o profissional de saúde ou o professor que lida com a criança, muitos fatores de risco não estão ao seu alcance direto, no consultório ou na sala de aula, mas sim no dia-a-dia da criança. Para isso, é preciso que ele acesse outros profissionais ou serviços, do Programa de Saúde da Família ou da Assistência Social, por exemplo; ou pessoas da própria comunidade, para que juntos promovam ações que ajudem a combater o risco, fazendo com que a criança viva melhor.
Quando o transtorno não pode ser diretamente prevenido ou quando muitos fatores de risco estão atuando na vida da criança, os fatores protetores podem atuar no seu funcionamento psicossocial e em sua qualidade da vida.
Hoje em dia, propostas de prevenção da depressão infantil, que podem ser estendidas a outros transtornos psiquiátricos, iniciam-se antes mesmo do nascimento da criança, através da preparação dos pais à função parental e cuidados pré-natais, que podem reduzir as complicações do parto e prejuízos cerebrais. Nesta fase, é importante que o profissional dê oportunidades aos pais em falar sobre seus medos e fantasias frente a essa nova fase da vida que iniciará.
Durante o primeiro ano de vida, é bom que o profissional esteja atento a comunicação e relacionamento entre a mãe ou outro cuidador e o bebê. É muito importante que atitudes positivas sejam desenvolvidas entre ambos para que a criança se sinta segura e confiante no mundo que está começando a conhecer. Caso o profissional perceba sinais de depressão materna e dificuldades na interação entre a mãe e o bebê, é preciso intervenção imediata, seja através de uma boa conversa, de encaminhamento para um serviço especializado ou um acompanhamento mais próximo. Também é bom que o profissional perceba a existência de uma rede de apoio e suporte social para a família, que pode estar precisando de ajuda neste momento.
No período pré-escolar da criança, o profissional deve continuar atento à interação familiar e ao comportamento materno - de tristeza, apatia ou irritação. Também ao relacionamento entre o casal e o desenvolvimento social, cognitivo e afetivo da criança. Já nesta fase, sinais de depressão podem estar presentes na criança. Neste caso, cabe uma melhor investigação do problema e intervenção preventiva ou de tratamento, se necessário.
No período escolar, treinamento parental e fortalecimento das capacidades e habilidades da criança podem ajudá-la a se tornar mais confiante e ser competente socialmente, impedindo que sintomas de depressão surjam ou se cristalizem.
Um passo importante na direção da prevenção dos sintomas depressivos é direcionar a atenção para a violência familiar, escolar e comunitária. Políticas e ações de prevenção aos transtornos mentais e à violência precisam ser implementadas em larga escala na sociedade, alcançando escolas e postos de saúde, face ao prejuízo acarretado pelas situações de violência sobre o desenvolvimento e crescimento de crianças e adolescentes.
Mas, toda estratégia preventiva exige planejamento, que parte da gestão e alcança os profissionais que estão na ponta do atendimento, as famílias e as próprias crianças. Para isso, é necessário empenho dos gestores, dos serviços sociais, da saúde em diferentes níveis da atenção, da escola e de outras instituições afins, atuando de forma articulada.

Princípios preventivos da depressão infantil
Enfoque na criança e na família;
Conhecimento sobre e a respeito dos serviços associados;
Troca e comunicação entre profissionais;
Disponibilidade dos profissionais da escola e da saúde de maneira geral para atender problemas de saúde mental.
(Turk, Graham & Verhulst, 1999)

Tratando e cuidando dos transtornos depressivos

Sabemos da dificuldade de professores, pediatras, enfermeiros e outros profissionais para atender e identificar transtornos depressivos em crianças. A dificuldade aumenta na medida em que reconhecemos que praticamente não existe uma equipe integrada por especialistas em saúde mental nos serviços de saúde. Isso dificulta muito o diagnóstico e o tratamento da depressão em crianças. Há crianças que apenas precisam de apoio de profissionais de saúde e da escola, pois apresentam sinais, sem que o quadro depressivo completo tenha se estabelecido. Uma abordagem sensata pode consistir em encontros regulares, discussões empáticas com a criança e os pais, apoio e encorajamento. Essas intervenções simples, especialmente se combinadas a medidas para aliviar o estresse podem incrementar a melhora do humor. Outras crianças necessitam de atenção mais especializada de profissionais da saúde mental, com uma intervenção mais orientada e incisiva.
O atendimento à criança e sua família se complica quando os sintomas depressivos estão associados às situações violentas. Muitos profissionais não vêem esta demanda como sua. Inúmeros problemas passam desapercebidos, enquanto poderiam ser evitados e tratados com mais atenção.

Para o profissional que não é especialista na área da saúde mental, esteja ele na escola ou no serviço de saúde, muitas são as resistências e o desconhecimento para se atuar sobre o tema da depressão em crianças. Há também o medo de errar, a falta de instrumental técnico, a falta de capacitação e sensibilidade para o problema, o desconhecimento das possibilidades de intervenção e o descrédito aos serviços e profissionais existentes (Lauridsen-Ribeiro & Tanaka, 2005).
O primeiro passo se dá através da percepção dos sinais do transtorno na vida da criança. Mesmo quando é possível encaminhar a criança para um especialista em saúde mental, o profissional de saúde ou da escola pode reconhecer os sintomas e o prejuízo que causam ao cotidiano da criança, e habilitar-se para acompanhá-la.

Durante o atendimento da criança, a interrupção e a morosidade entre um e outro atendimento, no mesmo ou em serviços distintos, atrapalham o acompanhamento da criança, podendo contribuir para a severidade do transtorno ou a sua recaída. Sabemos das elevadas possibilidades de insucesso no atendimento numa conjuntura social como a brasileira. Por isso, é importante ser sensível e atento ao desenvolvimento do atendimento de cada criança.

Além do diagnóstico, é preciso que o profissional faça uma avaliação de vários aspectos da vida da criança e da família, as contribuições biológicas, educacionais, familiares e dos pares. Também é bom analisar a comorbidade associada à depressão, os fatores de risco presentes na vida e na família da criança e a identificação dos seus recursos pessoais e sociais. O sucesso escolar ou em outras áreas da vida podem proteger dos efeitos de experiências adversas. O melhor guia para a capacidade da criança de resolver problemas futuros é o seu histórico de como lidou com dificuldades do passado, além da capacidade da família em apoiá-la. O foco do atendimento não está baseado exclusivamente no trato da depressão, mas também à promoção do desenvolvimento normal da criança.

São muitas as dificuldades estruturais dos serviços e, muitas vezes são escassas as oportunidades de trocar informações com outros profissionais mais especializados no tema. Nessa situação, é importante procurar conhecer o assunto na literatura especializada.
Para o clínico, quatro questões iniciais se fazem necessárias. A primeira é se a depressão é grave o bastante para justificar uma hospitalização. As indicações para a internação de crianças deprimidas incluem o risco grave de suicídio, sintomas de psicose ou recusa a beber ou comer. A segunda está relacionada à permanência da criança na escola. Quando o transtorno é leve, ir à escola pode ser uma distração importante do pensamento depressivo, mas quando é grave, sintomas como baixa concentração e retardo motor podem aumentar os sentimentos de desesperança. É muito comum nesses casos que o humor da criança melhore muito ao receber instrução em casa ou em uma escola mais reservada. A terceira pergunta refere-se as comorbidades. Como regra geral, é melhor cuidar das complicações antes de iniciar o tratamento da depressão. E a quarta diz respeito ao controle do estresse. O tratamento dos sintomas da depressão pode ser útil, mesmo quando ocorrem no contexto de adversidades familiares ou sociais crônicas difíceis de serem alteradas (Harrington, 2005).

Objetivos do programa de tratamento da depressão
Reduzir a depressão
Tratar os transtornos comórbidos
Promover a adaptação social e emocional da criança
Melhorar a auto-estima
Aliviar o sofrimento da família e prevenir recaídas.

Apresentamos a seguir várias estratégias utilizadas para atendimento de crianças com transtornos depressivos. Muitas delas exigem a presença do profissional de saúde mental ou de uma capacitação na área. Discutir o potencial de atendimento de cada serviço é importante, bem como reivindicar das Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde e de Educação treinamento sobre o assunto.

Terapias psicológicas individuais e grupais

Muitas intervenções psicossociais individuais ou grupais são aplicadas a crianças deprimidas, incluindo terapia cognitiva, psicoterapia, arteterapia e psicodrama. Pela característica difusa da depressão e dificuldades em quase todos os domínios de funcionamento (cognitivo, interpessoal e psicodinâmico) qualquer intervenção pode ser justificada. Tentamos apresentar aqui as intervenções onde os aspectos teóricos estão mais claros, aquelas onde os resultados são comprovadamente mais eficazes.
As terapias cognitivo-comportamentais (TCC) se destacam no tratamento da depressão infantil, tanto em pacientes ambulatoriais, na escola e na comunidade. Segundo esta teoria, a depressão não é desencadeada simplesmente pelas adversidades, mas pela percepção e processamento de eventos adversos. Existem muitas variedades de TCC para a depressão infantil, mas todas seguem:
foco do atendimento na criança, embora a maioria dos programas envolva os pais; profissional tem papel ativo no tratamento, ele e a criança colaboram para resolver o problema;
profissional ensina a criança a monitorar e manter registros de pensamento e comportamentos. Há uma grande ênfase na manutenção de diários e em lições de casa;
tratamento combina diversos procedimentos, que inclui técnicas comportamentais (como a esquematização de atividades) e estratégias cognitivas (reestruturação cognitiva) (Harrington, 2005).
Esse tipo de tratamento é bastante acessível no contexto escolar, com a inclusão do psicólogo no ambiente escolar ou da integração de professores treinados no tratamento psicológico. Uma desvantagem é que pode ser difícil manter a privacidade da criança.
A terapia cognitivo-comportamental também pode ser usada para proteger a criança contra recaídas após o fim do tratamento, mas esse objetivo ainda é alvo de investigações.
No entanto, nem sempre as crianças respondem bem às TCC. Os estudos sugerem que crianças com transtornos depressivos mais graves e com altas distorções cognitivas não respondem tão bem a esse tipo de intervenção, quanto crianças com condições leves ou moderadas (Brent et al, 1999). Também não se sabe se os benefícios da TCC são duradouros (Harrington, 2005; Liddle & Spence, 1990).
As psicoterapias interpessoais são formas de intervenção psicológica com as crianças deprimidas. Baseia-se na premissa de que a depressão ocorre no contexto das relações interpessoais, enfatizando a importância do ambiente e dos problemas de relacionamento. Nesta abordagem o contexto interpessoal pode contribuir para o alívio dos sintomas depressivos da criança, independente da organização da personalidade ou da vulnerabilidade biológica do indivíduo (Moreau et al, 1991; Harrington, 2005).
A psicoterapia interpessoal tem como metas principais identificar e tratar, primeiramente os sintomas depressivos e depois os problemas associados ao início da depressão. Apesar de sua efetividade para a depressão em adultos, ainda não foi testada em crianças.

A terapia familiar é uma abordagem que tem sido muito estudada nas famílias das crianças deprimidas, onde o foco é nos fatores familiares associados ao início e ao curso do transtorno infantil (alto nível de crítica parental, discórdia familiar, má comunicação entre pais e filhos). São muitas as atividades da terapia familiar, mas de regra geral envolvem:
trabalho frente a frente com mais de um membro da família;
concentração na alteração das interações entre os membros da família;
busca de melhoria da queixa principal e dos padrões de relacionamento associados ao problema.

Tratamentos farmacológicos

Esse tipo de intervenção é baseada nas informações de possíveis anormalidades neurobiológicas de adolescentes deprimidos. Há escassez de pesquisas realizadas com crianças nesta área. Os tratamentos farmacológicos são utilizados com menor freqüência que as abordagens psicoterapêuticas e com muita cautela na população infantil. Só deve ser indicada por médicos, preferencialmente psiquiatras, que sabem qual medicamento e dosagem são mais adequados para cada caso. Mas, a sua utilização deve ser cuidadosa. Os medicamentos mais usados nos transtornos depressivos de crianças são os antidepressivos tricíclicos (especialmente imipramina e nortriptilina) e outros antidepressivos como fluoxetina (Harrington, 2005).

Aspectos gerais dos tratamentos para crianças deprimidas

Alguns outros aspectos são importantes ao se projetar o atendimento dado a uma criança com transtornos depressivo (Harrington, 2005).

Os transtornos depressivos leves e moderados em crianças e adolescentes tendem a remissão rápida.
Uma abordagem inicial sensata e empática consiste na avaliação completa, discussões com a criança ou adolescente e a família, apoio e encorajamento.
No caso da criança não apresentar melhora, quando submetida a um tratamento, este deve ser revisto e, se necessário, mais incisivo.
O melhor tratamento para a depressão em crianças e adolescentes ainda não está estabelecido de forma clara.
Avaliação dos pacientes submetidos a terapias psicológicas após 6 ou 8 semanas.
Crianças que não respondem, pioram ou respondem parcialmente ao tratamento, permanecendo sintomáticas, deve-se investigar a presença de outros problemas além da depressão, como abuso de substância ou dificuldades familiares crônicas. Cabe também a utilização de outras abordagens de tratamento, descritas anteriormente.

Uma atenção especial para as crianças que vivenciaram violências
Atender a crianças que sofrem maus-tratos é uma tarefa desafiadora para os profissionais. Faz parte de uma nova consciência social de proteção à infância e adolescência que busca se consolidar no país, especialmente a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), vigente no Brasil desde 1990.
Apesar de não ser um problema novo para profissionais, existe uma demanda crescente de atendimentos a casos de violência contra a criança e o adolescente nos serviços públicos de saúde e nas escolas.
Grande parte dos casos de maus-tratos que chega aos serviços de saúde não é identificada pelos profissionais, assim como acontece com os transtornos depressivos. Essas crianças, além de sofrerem com o impacto que essas situações lhes provoca, ainda se defrontam com a precariedade de recursos dos serviços de saúde. Uma questão ética também permeia esse problema, já que é forte o medo e a recusa de se envolver com o que é considerado um “problema alheio”.
No entanto, cabe reforçar que a prevenção e identificação dos casos de maus-tratos é necessária e possível. O primeiro passo é conhecer com mais profundidade o problema da violência, e para isso é importante o diálogo sobre o assunto com colegas de trabalho, buscando informações em diversas publicações disponíveis. A experiência junto com a leitura de textos sobre o tema oferece diversas pistas para prevenção e identificação de maus-tratos. Após suspeita ou confirmação de casos, existem algumas sugestões de atendimento (Deslandes, 1994; Deslandes et al, 2005; Assis et al, 2007)

Sem dúvida que lidar com crianças com transtornos na área de saúde mental e que passaram por experiências violentas é um grande desafio a ser enfrentado pelos profissionais de saúde e da escola. Não existe ainda, nem no Brasil e nem em muitos países mais desenvolvidos ou em desenvolvimento, larga experiência na incorporação desses tópicos no cotidiano dos serviços de saúde e da escola.
Mas, independente das dificuldades, do desconhecimento e do tipo de tratamento, é essencial acolher e escutar cuidadosamente a criança e sua família, bem como acompanhá-los até que os sintomas depressivos cessem. Nestes momentos, é importante que o médico ou o professor converse, dialogue e oriente a criança e a família à busca das suas necessidades e as possibilidades do modo de satisfazê- las (Teixeira, 2003).
Ouvir, dar atenção às queixas da criança e negociar com a família formas para reduzir a depressão da criança e do ambiente em que vive são atitudes muito valiosas. Sentimentos depressivos não dependem só de orientação técnica ou de medicação. Ajudar os pais a lidarem com seus filhos significa, muitas vezes, conversar sobre os sentimentos de culpa e impotência que alguns têm frente aos sintomas de seus filhos.
Atentar também aos significados das falas das crianças e de seus pais também é relevante para se conduzir melhor o atendimento. Uma mesma adversidade ou mesmo a descrição dos sintomas pode variar radicalmente se contada por duas pessoas. Ouvir atentamente facilitará o diálogo com a criança e a negociação de possibilidades de superação.
Enfim, é preciso cuidar da saúde mental das crianças, pois o seu prejuízo acarreta danos em suas vidas, no presente e possivelmente no futuro. A infância não é apenas uma preparação para a vida, mas uma parte dela. Requer respeito, cuidado, proteção, apoio e intervenção. Não temos dúvida que esse é um caminho para uma sociedade mais digna, justa e feliz.

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